A partir de hoje, reunirei uma série de textos e informações sobre nossas línguas ancestrais, o tupi, o guarani e o nheengatu. Inclusive...
Tudo começou anos atrás, quando li O Povo Brasileiro, de Darcy Ribeiro. O livro é fabuloso, denso, apaixonado, inteligente e, como costumo dizer, obrigatório para qualquer pessoa que pretenda dizer: "eu sou brasileiro".
Em suas páginas descobri o tal do nheengatu, entre muitas outras coisas maravilhosas. Fiquei fascinado. Algumas semanas atrás, depois de muitas leituras e estudos sobre história brasileira e os índios, resolvi iniciar um estudo sobre tupi-guarani (que não é exatamente uma língua) e nheengatu. Na verdade, tive e tenho muita dificuldade para encontrar material como livros, dicionários, etc, principalmente gratuito e digital. Mas como estou fazendo isso por esporte, não tenho pressa.
Conversando com dezenas de pessoas desde a leitura do livro, percebi que quase ninguém ouviu falar sobre essas línguas genuinamente brasileiras, nem mesmo na escola. Sendo assim, resolvi criar uma tag ou Marcador (Tupi Guarani Nheengatu), com o qual agruparei textos sobre essas línguas.
O primeiro texto que reproduzo foi publicado em 2008, no Estadão.
Sotaque vem do nheengatu, a língua brasileira
Por Valdir Sanches, Lagoinha (SP) - O Estadao de S.Paulo
Caipira é aquele que fala o dialeto caipira. É português, mas com palavras tupi e sotaque da língua brasileira. A língua brasileira é o nheengatu, que existiu no Brasil até ser proibida por Portugal, no século 18. Seu nome parece coisa de índio, e é. O nheengatu incorpora a fala dos índios tupi, que ocupavam o litoral brasileiro. Na verdade, até hoje, quem se refere ao Ibirapuera, fica jururu, come abacaxi ou se pendura num cipó está se expressando nessa língua.
Há algum tempo, quando o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso usou a expressão "chega de nhémnhémnhém", estava falando puro nheengatu. No Brasil Colônia, era falada fluentemente em uma grande área do País, que ia de Santa Catarina ao Pará. A elite também se expressava por meio dela, embora não em todos os setores. Durante os processos, o juiz dispunha de um intérprete.
"Tivemos uma língua brasileira até o século 18", diz o professor José de Souza Martins, do Departamento de Sociologia da Faculdade de Filosofia da USP. "Só os portugueses, que eram estrangeiros, falavam português."
A língua foi criada no século 16 pelos jesuítas, destacando-se o Padre Anchieta. O fundador de São Paulo era lingüista. Para se entender com os nativos, classificou o tupi e criou uma gramática da língua geral. Ou seja, o nheengatu. "Uma língua de travessia, não é português, nem índio, eram ambas", diz Martins. O português, nesse caso, era o que hoje chamamos arcaico. Convidava-se uma dona para uma função, em vez de uma senhora para um baile. E dizia-se coisas como agardece (agradece), alevantá e inorância.
Os índios tinham dificuldade em falar palavras portuguesas como os verbos no infinitivo. E também palavras com consoantes dobradas (rr) ou terminadas em consoante. Além disso, colocavam vogal entre consoantes. Mulher, colher e orelha viraram muié, cuié e oreia. De sua dificuldade com o "erre", vem o "pooorta", reflexivo, com a língua tocando o céu da boca. Martins esclarece que "o dialeto caipira não é um erro, é uma língua dialetal". Mais do que isso: "É uma invenção lingüística musical e social."
Os brasileiros viviam muito bem com ela, até que, no reinado de d. José I (1750 a 1771), Portugal a proibiu. O veto veio em um decreto do primeiro-ministro, o Marquês de Pombal. Bania o ensino do nheengatu das escolas. A decisão foi acatada nas salas de aula, mas o povo continuou falando no dialeto caipira. O tempo acabou por impor o português, mas o dialeto puro resiste.
Ainda é falado em alguns pontos da fronteira com o Paraguai. E, em São Gabriel da Cachoeira, no Amazonas, a 860 quilômetros de Manaus, uma lei de 2002 tornou o nheengatu língua co-oficial do município. Na contramão do decreto do marquês, determina que seja incentivado seu ensino nas escolas, e o uso nos meios de comunicação (o tucano e o baniva também se tornaram línguas co-oficiais).
E ficou o "caipirês" da roça. Por essas bandas, ensina Martins, a língua se multiplica. "Quando o novo aparece, o caipira inventa, a partir da matriz da palavra, algo que tem sentido para ele." Há certo tempo, Martins e um grupo de estudantes apresentaram questões a algumas pessoas. Perguntaram a um homem: "Você concorda ou não concorda?" O homem não entendeu. A pergunta foi sendo repetida, sem sucesso, até que um dos estudantes mudou a forma: "Você concorda ou disconcorda?" Deu certo.
Hum! Interessante esse negócio do caipirês. Não sei se você sabe, mas estou ensinando português a um americano. Comecei com ele do zero. Ele só falava inglês. Por não terem certos músculos da língua não treinados para o português, os falantes do inglês tem uma tremenda dificuldade na pronúncia de alguns sons, principalmente o "r".
ResponderExcluirAlgo bem parecido com o que acontece com os índios e o português.
Legal. Algo semelhante acontece conosco quando vamos aprender as línguas naturais indígenas ou o nheengatu e vice-versa. Essa origem do "caipirês" é muito interessante. Fantástico.
ExcluirExcelente artigo!! Ótimo para divulgarmos nossas preciosas línguas indígenas gerais, que são um tesouro tanto em termos linguísticos como no aspecto da identidade histórica brasileira! Muito obrigado!
ResponderExcluirEu que agradeço pelo interesse na cultura e na história do Brasil. Algo que temos que manter vivo em nosso povo. Abraços e obrigado.
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