Que o futebol se tornou sinônimo de escândalos de corrupção, maracutaias, falcatruas, manipulação de resultados e politicagem (pra dizer ...
Que o futebol se tornou sinônimo de escândalos de corrupção, maracutaias, falcatruas, manipulação de resultados e politicagem (pra dizer o mínimo), não é mais
novidade para ninguém. Mas o que poucos sabem é que existe outro lado. Uma voz rouca e em uníssono contra os ladrões do esporte das massas surgiu nas
arquibancadas européias, trata-se do movimento Contra o Futebol Moderno.
Na Europa, a relação
entre política e futebol também é ideológica. Sendo muito comum encontrar
símbolos em faixas, bandeiras e estandartes.
No entanto, é na
Itália que acontece o ápice da politização do futebol, o Clássico Político
(Livorno X Lazio). Tratado pelas autoridades como ‘espetáculo de extremo
risco’.
Contrariando a lógica da rivalidade
geográfica, ambos são rivais ideológicos. De um lado o futebol operário da A.S.
Livorno que congrega torcedores socialistas e comunistas. No outro lado, o time
de coração de Benito Mussolini, com um grupo Ultra assumidamente de
extrema-direita. E, ainda hoje, a Lazio é considerada como um dos times mais
racistas do mundo. Em 1998, a sua torcida chocou o mundo quando exibiram uma
faixa anti-semita com os dizeres: “Auschwitz vossa pátria, os fornos vossas
casas!”
O lado curioso da
rivalidade Livorno-Lazio é que ela possui elementos antagônicos perfeitos, além
das ideologias.
O maior jogador da
história da Lazio, o atacante Paolo Di Canio, é torcedor confesso do time,
pertenceu ao grupo de fundadores dos Irriducibili
(Ultras de extrema-direita da Lazio) e é fascista convicto (sendo comuns
suas comemorações de gols fazendo a saudação facha).
Já no clube toscano,
o craque Cristiano Lucarelli é torcedor fanático da A.S. Livorno, fundou em
1999 a Brigate Autonome Livornesi 99
(BAL99, Ultras de esquerda e extrema-esquerda da A.S. Livorno) e é comunista.
Lucarelli, em todos os clubes que joga, usa o número 99 e comemora seus gols
com a saudação do punho cerrado. Em um jogo pela seleção italiana, Cristiano
Lucarelli marcou um gol e na comemoração exibiu uma camisa da BAL99 com a
imagem de Che Guevara, ‘coincidentemente’ foi sua última convocação para azzurra.
Os cânticos dos grupos ultras são formados por antigos hinos fascistas e anarco/comunistas, porém a agressividade de outros cânticos denota a seriedade deste jogo e justifica a ampliação da segurança na cidade do mandante. Por exemplo, se os laziali entoam o cântico ‘Se saltelli, muore Lucarelli’ (Se pular, morre Lucarelli), os livornesi respondem com ‘Paolo Di Canio a testa in giù’ (‘Paolo Di Canio de cabeça para baixo) em alusão a exibição do corpo de Mussolini nesta posição em praça pública.
Mas nem tudo são
tensões.
Em 2009, o Contra o Futebol Moderno
e os movimentos esquerdistas ligados ao futebol europeu tiveram uma importante
vitória. Na época a A.S. Livorno disputava pela primeira vez a Série A e
recebeu um inusitado convite para um amistoso contra um time da 3ª divisão
turca, o Adana Demirspor.
O Adana Demirspor é um clube de
raízes operárias da cidade de Adana fortemente identificado com a esquerda, sua
semelhança com a A.S Livorno vai além das origens, também é comum encontrar nas
arquibancadas bandeiras de Cuba, União Soviética e estandartes com a face de
Che Guevara.
A chegada da delegação italiana a
Adana foi apoteótica, os livornesi foram
recebidos com o ‘Bella Ciao’, gritos
de ‘Forza Livorno’ e faixas de
boas-vindas e outras sinalizando laços de fraternidade solidária entre os dois
clubes.
Em 6 de setembro de 2009, Livorno e
Adana Demirspor protagonizaram um espetáculo único, as torcidas
do Adana Demirspor e da AS Livorno estiveram juntas na curva atrás da goleira
com suas bandeiras, cantando o Bella
Ciao; o estádio inteiro celebrou o nome do time visitante e a torcida do time
turco utilizou sinalizadores para iluminar o estádio com as cores do Livorno
(vermelho e dourado). Foi um belo espetáculo de solidariedade, fraternidade e
união contra o futebol corrupto e elitista. O placar final foi 0X0.
Enquanto o futebol e suas entidades
não passarem por uma reforma, o grito rouco do Contra o Futebol Moderno estará
presente junto com a política.
O que ainda é bonito de ver é que
mesmo com derrotas em campo a paixão nunca se perde, nunca acaba. Mas vejo o
avanço do futebol-negócio a passos largos. Há muito tempo o ‘ópio do povo’
virou uma indústria corrupta e lucrativa nas mãos dos traficantes suíços e das
confederações e deixou de ser um esporte das massas.
Sou Contra o Futebol Moderno.
Anotação
na Margem:
- O filho de
Benito Mussolini, Bruno, foi presidente da Lazio;
- O antigo
Partido Comunista Italiano (PCI) foi fundado em Livorno, em 1921;
- Durante o XVII
Congresso Socialista acontecido no Teatro Goldoni, em Livorno, a corrente de
extrema-esquerda do Partido Socialista Italiano, liderada por Amadeo Bordiga,
Nicola Bombacci e Antonio Gramsci, abandonou a sala e convocou o congresso de
fundação do Partido Comunista Italiano. O episódio ficou conhecido como a Cisão
de Livorno;
- O Teatro San
Marco, local da fundação do PCI, foi destruído em um bombardeio durante a 2ª
Guerra Mundial. Atualmente, resta sua fachada e uma placa sinalizando sua
importância para a política italiana;
- As cidades de
Livorno (Itália) e Adana (Turquia) se tornaram cidades-irmãs;
- No Brasil,
temos como exemplo de torcida politizada a Ultras Resistência Coral, do
Ferroviário Atlético Clube – CE e sua clássica faixa: NEM GUERRA ENTRE TORCIDAS,
NEM PAZ ENTRE CLASSES! http://resistenciacoral.vilabol.uol.com.br/
NEM PAZ ENTRE CLASSES! http://resistenciacoral.vilabol.uol.com.br/
- Texto escrito ao
som do álbum ‘Baldi e Fieri’ da Banda Bassotti.
Diego Pignones
Publicitário e pesquisador em Comunicação Social.
Twitter:
@diegopignones
Quando todos pensam que o comunismo está morto, ele vem com mais força, pois só ele constroe os alicerces de uma sociedade mais justa. Viva O Livorno, O sankt Paulli, o Rayo Vallecano, estes mantem viva a chama da esperança por um mundo melhor, sonhamos, pois os sonhos podem se tornar realidade.
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