A música de Chico Buarque, "Noite dos Mascarados", faz-me lembrar da mídia tupiniquim, quando ouço o verso "quem é você, diga...
A música de Chico Buarque, "Noite dos Mascarados", faz-me lembrar da mídia tupiniquim, quando ouço o verso "quem é você, diga logo que eu quero saber o seu jogo". Cada veículo da grande imprensa brasileira se parece com um folião mascarado, rasgando a fantasia e 'carnavalizando' o que deveria apenas ser jornalismo.
"No Brasil, ao contrário do que acontece na imprensa americana, onde as preferências de cada veículo são declaradas em editoriais, os jornais e revistas fingem uma isenção e um distanciamento que não existem de verdade. A imprensa brasileira prefere editorializar o noticiário, tentando induzir o leitor a assumir como verdadeiras versões editorializadas dos fatos políticos. Mas tais práticas são tão viciosas que o leitor precisaria ser extremamente distraído para não perceber as tendências expostas em cada edição." - Luciano Martins Costa, em artigo publicado no Observatório da Imprensa.
O problema tupiniquim, falando-se mídia, é a falsa imparcialidade. Os jornais são feitos, em sua maioria, por jornalistas e esses, enquanto seres humanos, têm pensamentos e visões de mundo, como qualquer um. O dilema jornalístico resume-se em buscar a imparcialidade, sabendo-se de sua impossibilidade.
Ao proclamar-se imparcial, a mídia brasileira poderia ser tratada como alienígena, ou então produzida por espíritos do além-túmulo, desprovidos de partidarismos políticos. Fingindo-se imparcial, na prática, acaba demonstrando a maior parcialidade possível. Esse caso se assemelha ao racismo no Brasil: todos conhecem pessoas racistas, mas ninguém se declara como tal. Assim, cabe perguntar, onde estão os racistas que conhecemos? Provavelmente, o racismo é tão dissimulado quanto a imparcialidade da imprensa.
Somente alguém desprovido de cérebro será incapaz de entender que o jornal O Globo é partidário do PSDB, por exemplo. E não há mal nenhum nisso, pois ser partidário dessa ou daquela linha política, aliás, é bom para os debates nacionais, além de ser compreensível.
Os jornais, ao não assumirem suas posições, acabam apresentando-as disfarçadas, como fatos incontestáveis. Na verdade, são fatos costurados com a lógica de suas visões e preferências, ou seja, são notícias de um jornal, trabalhadas e escritas por humanos. A mídia tupiniquim não é isenta, assim como nenhuma mídia em qualquer parte do mundo, mas a dissimulação acaba dificultando o debate, o embate ou o combate, quando necessário.
A Folha de S. Paulo, por exemplo, dificilmente produzirá reportagem criticando a Pfizer, a maior transnacional farmacêutica do planeta, por um motivo: essa indústria patrocina o programa "Folha Memória", que seleciona projetos de pesquisa sobre a história do jornalismo brasileiro. Certamente, nenhum projeto selecionado trará conteúdo criticando a indústria farmacêutica.
Segundo o jornalista Gustavo Barreto, os programas de treinamento em jornalismo da Folha de S. Paulo e d'O Estado de S. Paulo, ainda são patrocinados pela indústria do tabaco. Não há como negar que esses patrocínios têm forte influência no que irá se tornar notícia ou não, no que irá ganhar destaque ou ser publicado num cantinho escondido do jornal.
O Estadão, além do patrocínio da Philip Morris, ainda conta com o apoio financeiro da operadora VIVO, que sofre centenas de ações civis públicas no Ministério Público, simplesmente por não atender seus clientes com o mínimo desejável (eu mesmo tive péssimos momentos com a VIVO, e parte disso foi relatada em meu blog).
Está na hora do baile carnavalesco da mídia acabar. Com a web 2.0 muitas máscaras estão caindo, sem dúvida, mas 75% de anafalbetismo funcional e 65% da população brasileira que não acessa internet, ainda garantem a manutenção dessa estrutura midiática tupiniquim. Porém, a grande pergunta é: até quando esse baile de máscaras se sustentará?
Fontes:
Indústria farmacêutica incentiva "memória fraca" no jornalismo brasileiro - Gustavo Barreto (pós-graduando na UFRJ, e assessor de imprensa na área de Saúde Pública. Editor de meios alternativos na mídia livre).
A campanha na imprensa - Luciano Martins Costa, jornalista e colaborador do Observatório da Imprensa.
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