"A cultura popular é permeada com idéias que a variedade erótica é perigosa, doentia, depravada, e uma ameaça a tudo desde pequenas...
No último mês, depois de acompanhar o blog “Cem homens“, escrito pela Letícia Fernandez, pude comprovar tudo isso aí que a Gayle Rubin está descrevendo. Letícia fala de sexualidade com leveza, sem preconceitos. Porém, dizer que faz sexo casual e que gostaria de fazer sexo com cem homens em um ano gerou diversas ondas de reações e comentários extremamente grosseiros e sem noção.
Nos comentários que Letícia divulga no Tumblr ou no twitter fica nítida uma mentalidade tacanha, machista, que acha que sexo casual é perigoso (associado a doenças), e que exercer a sexualidade por meio de sexo casual (e não dentro de um casamento heterossexual e monogâmico) é doença, depravação, fim dos tempos. Ao mesmo tempo, os homens a assediam grosseiramente, como se ela não tivesse vontade própria e só existisse para atender às fantasias deles.
E agora, temos a mídia se interessando pelo blog. Alguns pela curiosidade. Outros, como a Globo, atuando para criticar a vida sexual de Letícia (e a minha e a sua também).
O moralismo da Globo
Na semana passada a Globo colocou uma chamada no site G1 comparando Leticia com a Bruna Surfistinha (pra quem não se lembra, uma ex-prostituta). Em comum, elas têm blog e falam sobre sexo. Porém, os leitores entenderam que Letícia seria uma prostituta, e lotaram blog e caixa de e-mail com uma nova enxurrada de comentários grosseiros.
Porém, o horror maior aconteceu hoje. A rádio Globo transmitiu uma entrevista com uma mulher que se passou por Letícia. Como se não bastasse a mentira, os entrevistadores foram extremamente grosseiros. O áudio da entrevista já foi tirado do ar, mas pode ser ouvido aqui.
A entrevista em si é péssima, feita para zombar da entrevistada. Leticia é apresentada como uma jornalista baiana que quer se tornar a nova Bruna Surfistinha. Ele pergunta não só a idade dela, mas se “está tudo no lugar” [afinal, mulher só faz sexo se for bonita; e ainda tem aquele mito de que muito sexo faz o corpo da mulher desabar]. A co-apresentadora pergunta se Letícia cobra pra transar [mulher fazendo sexo casual ainda é visto como vadiagem, prostituição!], e como que ela irá provar que “deu pra cem” [como se Letícia tivesse de prestar contas pra alguém]. O apresentador pergunta se no blog tem o endereço pra quem quiser transar com ela entrar em contato [como se ela fosse uma boneca inflável à disposição dos caras, sem escolha alguma]. E finaliza dizendo “tem maluco pra tudo” [pra quê educação e neutralidade jornalística, né?]
O esclarecimento da rádio Globo, por sua vez, não esclareceu nada. Pior, demonstrou completa falta de noção de geografia e preconceito contra nordestinos. Afinal, ouviram dizer (sabe-se lá onde) que Letícia seria nordestina e, por isso, entraram em contato com uma rádio nordestina (Nordeste é uma cidade ou uma região? Quantas rádios existem no Nordeste???) que apresentou uma suposta assessora de imprensa de Letícia. Mandar e-mail para o endereço que está no blog, pelo visto, é mais difícil do que entrar em contato com uma das várias rádios do Nordeste.
Isso obviamente não é jornalismo. É moralismo do pior tipo. Com o defeito de atingir milhões de pessoas, propagando mais preconceito. A Globo teve duas oportunidades de falar sobre o blog de Letícia; nas duas vezes, foi preconceituosa. A Globo agora resolveu mudar uma abertura de novela antiga porque ela não é compatível com os padrões morais atuais do país. No entanto, a Globo tem poder suficiente para ditar novos padrões morais, menos conservadores. Nem parece que é a emissora que criou Malu Mulher, Quem Ama não Mata, TV Mulher.
Pra saber mais sobre a Letícia, é melhor ler a entrevista feita pela Verônica Mambrini. Fica bem claro que tem uma mulher de verdade, inteligente e com ideias interessantes escrevendo o blog. Ela não é reduzida a uma vagina querendo cumprir meta, como a falsa entrevista do Globo faz parecer.
Marcha das Vadias
Não é à toa que a Marcha das Vadias tem ocorrido em diversos lugares. As mulheres estão dizendo o tempo todo “parem de querer ditar como eu devo agir em relação à minha sexualidade“. Em resposta, a mídia diz – e incentiva – exatamente o contrário: “se você quer definir o que vai fazer com sua sexualidade, eu vou te desmoralizar até você se adequar ao meu padrão de castidade“.
E aí eu volto ao início do post: como vamos mudar essa cultura machista que destrói a sexualidade das mulheres? Como parar com o tanto de comentários e agressões gratuitas infernizando a vida de uma mulher só porque ela quer fazer sexo casual e exercer sua sexualidade livremente?
Letícia não é só um pseudônimo no blog. Ela é cada uma de nós: uma mulher que todo dia luta pra exercer sua sexualidade da forma que desejar sem ser xingada ou punida por isso.
Publicado no blog de Cynthia Semíramis
Muito bom comentário. Parabéns!
ResponderExcluirO maior problema é que se propaga mais o que a Globo fala do que a verdade em si. Cabe a nós mulheres divulgar o que de fato merece considereção.
ResponderExcluirSexo Casual
ResponderExcluirO grande H da história consiste na chamado sexo Casual, que bem vale para homens ou mulheres heteros ou não, que veem esta pratica uma chance de manter viva a chama de sua sexualidade, o perigo vem em parte desta diversidade de parceiros, seja no risco de doenças seja no risco emocional, já que o primeiro se combate utilizando meios, dentre eles a camisinha, já o segundo não existe metodo, já que não controlamos nosso emocional.
Temos também a questão do Sexo casual vindo de pessoas com relacionamentos estaveis, estas o fazem por diversão, curiosidade, vingança, e também por falta de carater, este grupo está mais sijeito as intemperies do Sexo casual, já que muitas vezes não tomam os cuidados necessários no ambito saúde, e tendem a ter serios problemas de ordem emocional, por acabarem se envolvendo com o parceiro casual e muitas vezes rompendo com tudo e com todos para viver um pseudo romance vindo de um Sexo casual sem futuro, sem nada a acrescentar, só a roubar uma vida inteira por um prazer momentaneo que não chega a durar 20 segundos. Vale a pena trocar 10 anos por tão pouco tempo? Refletir e Pensar, vale o Sexo casual?
Meu caro Marcus Vinicius Carvalho, qualquer debate é válido e sempre bem-vindo. Mas o X da questão, ou o H da notícia, não é o posicionamento sexual de Letícia ou quem quer que seja. Esta notícia fala sobre a Globo armando uma entrevista e ainda oferecendo desculpas esfarrapadas após veicular a entrevista. O que a rádio fez é crime, passível de processo e, quem sabe, cassação de sua concessão pública por ferir os interesses públicos, por armar uma entrevista, etc.
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