Início de tarde de um dia ensolarado em Engenho de Dentro, Rio de Janeiro. Na semana antecedente ao carnaval, inúmeros despachos são de...
Início de tarde de um dia ensolarado em Engenho de Dentro, Rio de Janeiro. Na semana antecedente ao carnaval, inúmeros despachos são depositados próximo de onde moro. Neste hábito comum entre algumas religiões, a via pública torna-se o altar de pedidos e orações cujas intenções desconheço. Para os moradores e transeuntes locais, resta apenas a visão e o odor das oferendas, feitas sempre no período noturno. Nos dias seguintes, a empresa responsável pela coleta de lixo recolhe tudo aquilo que, popularmente, também é chamado de macumba. Como de costume, esta coleta específica é realizada no período da tarde.
Em um destes dias, realizando alguns trabalhos profissionais em casa, numa pequena pausa feita para descanso, empunhei a câmera fotográfica e registrei a cena (foto acima). Um morador de rua, primeiramente para ao lado de tal despacho: olha atentamente para cada prato e garrafa ali depositado. Depois, sem fazer qualquer cerimônia, agacha-se e começa a comer e a beber, numa refeição a céu aberto. Nem olhou para os lados antes de começar, como se estivesse em sua casa. Talvez estivesse mesmo.
As oferendas ou despachos são feitas para santos ou entidades que também desconheço em sua maioria. Não sei dizer se o morador de rua tem religião ou acredita em Deus, mas sei que ele se alimenta literalmente de uma comida divina: ainda que esteja exposta ao sereno e ao sol por mais de doze horas, para ele, a comida é divina mesmo. Sem esta oferenda, não saberíamos como poderia se alimentar. Talvez encontrasse outro meio para isso.
Penso nos santos e entidades, aos quais foram oferecidos tais alimentos. Ficariam ofendidos com o morador de rua ou felizes ao partilhar o pão? Ao mesmo tempo penso nas pessoas que fizeram tal oferenda: ficariam tristes ou felizes ao verem seu altar em via pública sumir nas mãos de um esfomeado? De qualquer modo penso que nós, seres humanos, adquirimos hábitos estranhos, realizando oferendas de cunho divino para receber graças para si próprio ao invés de dar graças aos homens mais próximos e desafortunados. Será que os santos e entidades sentem fome?
(Foto e texto por Marcelo D'Amico)
Mad, gostei muito como escreve. Se aceitar publicar no Briguilino's blog , basta dizer e envio convite.
ResponderExcluirAbraço e bom fim de semana.
Marcelo, eu morei em Salvador um tempo e lá conheci alguns rituais do camdomblé. A oferenda (o alimento)é um ritual de fortalecimento da conexão entre os devotos e os orixás. Muitas vezes é mais gratidão do que pedido. No Carnaval, os orixás são convidados para a festa. Assim acredita-se que tudo sairá perfeito. Quando vi a foto pensei, este sujeito foi convidado para o banquete, embora sua figura pareça desgraçada aos olhos da sociedade, ele é honrado pelos orixás que não o julgam por sua forma de viver, mas o protegem e o alimentam para que ele seja o que é. É uma benção!
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