Stédile analisa o Plano Nacional de Agroecologia e a reforma agrária no Brasil

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João Pedro Stédile, porta voz do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra, analisa o Plano Nacional de Agroecologia e a reforma agrária no Brasil. Foto: Brasil de Fato/Pablo Vergara
Por Eduardo Sá
Durante a Caravana Agroecológica da Chapada do Apodi, no Rio Grande do Norte, realizada entre os dias 22 e 26 de outubro, conversamos com João Pedro Stédile, porta voz do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST).
Na entrevista ele fala sobre o lançamento do Plano Nacional de Agroecologia e Produção Orgânica (Planapo), reforma agrária, a situação de Apodi com o projeto do perímetro irrigado e os protestos Brasil afora desde julho.
Segundo o economista, o plano Brasil Agroecológico nasceu de uma forte pressão da sociedade civil e, para não ser uma mera carta de intenções, é preciso lutar para sair do papel.
A presidenta Dilma acabou de lançar um Plano Nacional de Agroecologia. Em que contexto, e quais avanços e insuficiências ele traz?
O Plano Nacional de Agroecologia é resultado das pressões dos movimentos sociais e ambientalistas nos últimos dez anos, desde o primeiro mandato do governo Lula. Devagarzinho abrimos essas brechas, acho que o Conselho Nacional de Segurança Alimentar (Consea) também nos ajudou, assim como alguns amigos dentro do Ministério do Meio Ambiente.
Foi construído de certa forma bastante democrático, e é resultado muito mais da pressão dos movimentos e dessa força social que o movimento de agroecologia gerou no país. Levou o governo brasileiro a se dar conta que faltava uma política pública, mas ainda é uma carta de intenções. Os movimentos sociais, o movimento camponês e ambientalista, vão ter que continuar fazendo muita pressão para transformar aquelas linhas de propostas políticas de fato em programas governamentais com recursos, planos, metas e liberação de pessoas.
No lançamento a presidenta anunciou cem decretos de desapropriação de terras para reforma agrária. Há muito tempo não era anunciado nada desse gênero, é uma iniciativa satisfatória ou vem muito aquém da demanda dos movimentos?
O governo Dilma ainda está em dívida com a reforma agrária, porque o agronegócio e os ruralistas são hegemônicos no Congresso, depois vem o judiciário e o governo Dilma. Os setores que apoiam a reforma agrária, a agroecologia e o meio ambiente são minoritários dentro desse governo. Isso se revelou também em outros temas, como o Código Florestal e a questão indígena, então o governo Dilma está em dívida com os povos do campo.
Naquela semana estávamos mobilizados em todo país, ocupamos diversos Incras (Instituo Nacional de XXX), e isso levou o governo envergonhado a fazer aquela promessa de até o final do ano desapropriar cem áreas. Vai dar no máximo cinco mil famílias, ou seja, é insignificante diante da pressão e demanda social que está reprimida: temos hoje no Brasil mais de 120 famílias acampadas.
O governo devia fazer um plano de emergência para em alguns meses resolver o problema de todas as famílias. Não adianta só ficar anunciando dois ou três decretos que podem servir para propaganda, mas não resolvem o problema social.
Em Apodi há uma situação bem complicada, é um dos maiores assentamentos do MST no Brasil. Como se encaixa essa questão local da Chapada do Apodi no cenário nacional em termos de modelo de desenvolvimento?
Apodi hoje é o exemplo emblemático de toda política agrária e agrícola do país, e em especial para o nordeste. Há um projeto do perímetro irrigado do DNOCS (Departamento Nacional de Combate a Seca), que está voltado única e exclusivamente para fazer obras e saiba Deus atender a que interesses.
São obras caríssimas com mais de R$ 200 milhões, que tem a pretensão de canalizar o rio de volta, ou seja, pegar a água do rio embaixo e bombear cem metros de volta para cima na Chapada. Só que ali já vivem mais de 600 famílias de pequenos agricultores que há décadas sobrevivem cultivando com a agricultura familiar e produtos sadios.
O DNOCS desapropriou 13 mil hectares, vai despejar essas 600 famílias para depois fazer o edital de licitação para entregar os lotes a pequenos, médios e grandes empresários aplicarem o monocultivo de frutas para exportação. É o absurdo dos absurdos, porque tecnicamente não tem sentido fazer uma irrigação morro acima.
É muito mais barato fazer a irrigação na planície, ou seja, barragem abaixo, manter essas famílias que estão na Chapada, aplicar com elas outras técnicas de irrigação com poços artesianos ou cisternas. E desenvolver a agricultura familiar, porque Apodi se transformou outra vez num paraíso da biodiversidade e da produção de alimentos sadios.
Tanto que é o melhor mel da região nordeste e a abelha é um termômetro para a natureza, por causa dessas características da biodiversidade e de não ter veneno. Se esse projeto de irrigação é efetuado, vamos entregar 13 mil hectares para o monocultivo de frutas com o uso intensivo de agrotóxicos, vai contaminar as águas, os solos e tudo para exportação. Vai alterar, inclusive, a economia do município porque essas empresas que vêm de fora não aplicam o dinheiro aqui e levam para fora.
É uma situação realmente vergonhosa e esdruxula, que só atende aos interesses de uma oligarquia rural aqui do Rio Grande do Norte que tem muita força política por causa do PMDB. Outra circunstância é que ainda no município há um acampamento com mais de mil famílias acampadas dentro de uma área de 2 mil hectares, que poderia ser aproveitada para reforma agrária e até agora não está.
Esperamos que esse processo de debate político de qual é o modelo de agricultura para o município ajude a assentar aquelas famílias que estão acampadas.
Estamos vivendo um momento de inquietações sociais nas ruas, só que muitas cartilhas utilizadas há anos para protestar não são bem vistas pelos jovens, como as bandeiras, sindicatos, partidos, etc. Como você avalia essa movimentação espontânea?
A luta de classes em qualquer sociedade e aqui no Brasil ocorre em ondas históricas. Há períodos que a classe trabalhadora toma a ofensiva e faz grandes mobilizações em torno do seu projeto e seus direitos. Há períodos de disputa e períodos de refluxo. Estamos vivendo um refluxo do movimento de massas, que vem desde as duas grandes derrotas que o movimento popular teve no Brasil: a derrota política em 1989 e a derrota do movimento sindical na grande greve dos petroleiros em 1995. De lá para cá há um dissenso, uma pasmaceira do movimento de massas.
O que assistimos nesse ano em junho e julho foi uma parcela da sociedade, a juventude, de forma espontânea e sobretudo indignada com as grandes obras da Copa, com a falta de transporte público, que foi às ruas. E é natural que seja assim, as primeiras mobilizações sempre são fruto de indignação e resultado de algum estopim que leva a juventude para a rua. Acredito que no próximo ano essas mobilizações voltarão às ruas, porém agora casadas com o movimento da classe trabalhadora.
Seja dos movimentos sociais organizados, seja do movimento estudantil, seja dos sindicatos, para então colocar em pauta não apenas um transporte público ou a educação, mas as reformas estruturais que o Brasil está precisando: começa pela reforma política e tende a desembocar numa constituinte para repactuar as forças políticas do país. Porque do jeito que está há um clima de indignação e o povo quer mudanças, mas não para trás para voltar aos tucanos, a direita.
Queremos mudanças no sentido de aprofundar as reformas necessárias no país, que levem a resolver esses problemas como os perímetros irrigados, a reforma agrária, o transporte público, educação de qualidade, ampliar as vagas nas universidades públicas para os jovens.

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